Vasco da Gama


Vá-se lá saber por que razão, as pessoas gostam de se fazer fotografar ao lado de celebridades. De forma que, à semelhança do que se passa com o Fernando Pessoa, na Brasileira do Chiado, também em Angra do Heroísmo não há bicho careta que não queira ficar para a posteridade ao lado do Vasco da Gama. 
Até que se compreende. Esculpido pelo norte-americano Duker Bower e oferecido à cidade pelo emigrante terceirense Victor Baptista (o mesmo que deu a estátua do Eusébio ao Estádio da Luz), o navegador é irresistível. Em passo determinado e directamente vindo do mar, rasga a calçada portuguesa e avança pelo Pátio da Alfândega, sobre versos dos poetas que glorificaram a bravura das naus e os feitos heróicos dos nossos marinheiros. 
Em 1499, quando regressava da primeira viagem à Índia recheado das especiarias que marcariam para sempre a condimentada gastronomia terceirense, fez um pequeno desvio ao rumo para aqui desembarcar, preocupado com o estado de saúde do seu irmão Paulo, que acabaria por morrer de tuberculose e aqui ficar sepultado. Talvez por essa razão, decidiu o artista talhar-lhe uma cara de poucos amigos. Ou, quem sabe, devido ao peso da responsabilidade de inaugurar um caminho marítimo tramado.
A verdade é que, desde o dia 10 de Junho de 2016, quando ali o plantaram, o desgraçado tem aguentado estoicamente as macacadas dos passeantes, que se agarram ao homem como se de um familiar próximo se tratasse. Mas não só. Sempre que os alegres angrenses decidem realizar uma festarola, lá se instalam as barracas de comes e bebes, com mesas compridas de madeira para a malta abancar a comer, e lá fica o pobre Vasco envolto na euforia alheia, com o molho das patuscadas a salpicar-lhe as barbas. 
Até eu, confesso, procuro sempre aquela mesa mesmo encostada ao sujeito, para entre uma e outra garfada ir conversando com ele. Gosto dele. Pronto, já disse. Por isso, em vez de fazer uma selfie ao seu lado, cumprimento-o sempre que nos cruzamos e passo-lhe a mão pelo ombro, com todo o carinho e respeito que ele me merece. Tal e qual os bêbedos fazem, durante as suas longas palestras e diálogos, faça chuva ou faça sol. Só que no meu caso é mais grave, porque faço o mesmo, mas sóbria. 
O problema é que tenho sempre na minha cabeça uma batelada de perguntas que gostava de lhe fazer e isso está a tornar-se uma enorme inquietação para mim.
Um dia destes encho-me de coragem e peço-lhe uma entrevista. 
Guiomar Belo Marques©





Ilegítima De regresso ao blog, sinto-me como regressada à Ilha Lilás, como a filha ilegítima que sou, por natureza. Ilegítima nos sítios...