Ilegítima


De regresso ao blog, sinto-me como regressada à Ilha Lilás, como a filha ilegítima que sou, por natureza. Ilegítima nos sítios, ilegítima dos sítios. De regresso, após uma passagem de um tempo saudoso por Lisboa, a minha cidade legitima, mas onde, também aí, me tornei uma ilegítima. E porque decidi ser ilegítima na Ilha Lilás, volto, também, aos temporais. Hoje é a Elsa, depois será qualquer coisa outra começada por F e assim sucessivamente. Não importa. Na minha ilegitimidade, consagrada na minha Certidão de Nascimento de 1959, começo, aos 60 anos, a gostar de não ser legítima de coisa alguma. Como uma condição, jamais envergonhada, mas antes até gloriosa, de ser quem sou.
A Ilha Lilás, esta ilha para onde me mudei há ano e meio, abastarda-me de uma maneira, que nem a minha ilegítima iligitimidade alguma vez o conseguiu. É como se ela me dissesse: "goza lá o teu olhar, aproveita a minha loucura, tira lá os teus azimutes à insularidade, que jamais me pertencerás, faças lá tu o que fizeres, ó ilegítima!"
Fui a Lisboa, ao fim de quase ano e meio distante da minha origem. Da minha ilegitimidade legítima. E continuei a sentir-me mais legítima ali, mais pertença minha, mais indignada ali, do que aqui. Mais eu ali, do que aqui. Com mais direitos. Mas um amigo, não lisboeta, confrontou-me, quando lhe falei da indignidade em que Lisboa se transformou no escasso tempo da minha ausência, para me apontar o dedo: "E então, como é, seres uma lisboeta que foge para outra cidade?" E doeu. Doeu a minha cidade estar como está, e doeu, na verdade, o facto de, realmente, de algum modo, ele ter razão. Afinal? Em que fico eu? Numa cidade que me pertence, mesmo, mais do que qualquer outra, ou na minha fuga constante, desde que entrei o meu meio século? E como fujo eu para outras cidades tão ingratas? Será porque a ingratidão das cidades alheias me magoa menos do que a da minha cidade? Provavelmente.
A Ilha Lilás é de uma beleza esmagadora. Consegue fazer-me esquecer a sumptuosa baía de Luanda e, principalmente, o Meu Tejo, ou, como diria o poeta, "O rio da minha aldeia"... Mas não me torna legítima. Não mo permite. Muito antes pelo contrário. Faz de mim a ilegítima permanente.
Sem o carinho com que a minha mãe me explicou, a propósito da minha ilegitimidade salazarista, que "isso não importa, filha, porque os filhos são sempre legítimos para as suas mães!"

https://youtu.be/hLhN__oEHaw


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